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A moda nos tempos do Instagram

Mundo - 13/04/2014 14:14


Utilização da rede social de fotos em desfiles muda a maneira como estilistas, jornalistas e o público em geral captam as novas tendências
Na exposição de Dries Van Noten no Musée des Arts Décoratifs, em Paris, há um vídeo reunindo sequências de 20 anos de seus espetáculos na passarela – um “supercorte”, na gíria empregada na internet. Numa visita guiada pela exposição oferecida há pouco tempo, Van Noten acenava positivamente com a cabeça enquanto momentos memoráveis eram exibidos: modelos masculinos pedalando bicicletas, mulheres caminhando sobre uma imensa mesa de jantar. Mas o elemento que mais chamava a atenção era o grande número de pontos fantasmagóricos iluminando o rosto do público dos desfiles mais recentes.
 
Eram os smartphones, como disse Van Noten.
 
Os fotógrafos profissionais posicionados imediatamente junto da passarela representam agora apenas uma fração daqueles que se ocupam furiosamente de documentar cada modelo, acessório e detalhe cenográfico. Quase todos os frequentadores do desfile, desde a primeira fila até a plateia mais distante, chegam agora com o celular em punho, já com o Instagram aberto.
 
Presente em cada par de mãos, a câmera do smartphone se tornou tão pouco notável que, quando Danielle Sherman, diretora de criação da Edun, solicitou um diretor e um esquadrão de 20 iPhones 5s emprestados para criar um vídeo de sua coleção outono 2014, quase não houve surpresa. “Ninguém disse nada, nem questionou, nem mesmo notou”, disse ela.
 
Assim é a moda na era do Instagram, um período no qual a mídia digital está mudando a maneira com a qual as roupas são apresentadas ou mesmo desenhadas. Conforme os desfiles são ajustados para se tornarem experiências socialmente compartilhadas, e a própria moda é repensada para atrair os olhares numa tela bidimencional, alguns céticos indagam a respeito daquilo que é perdido ou sacrificado quando a moda é submetida ao moinho digital.
 
Não resta dúvida que o advento da mídia digital alterou a moda de maneira fundamental, diz o estilista Alexander Wang: “Houve uma mudança na forma de fotografar, na forma de exibir e na forma de fazer e desenhar as roupas”.
Revolução
 A mídia digital alterou também a maneira de cobrir a moda, de consumi-la e compartilhá-la. As publicações e sites especializados no setor que antes se consideravam o reduto do jornalismo de moda tiveram seu território invadido por indivíduos. “Agora vejo os desfiles no Instagram”, disse Eva Chen, editora-chefe da Lucky.
 
“Num certo sentido, cada pessoa no público é seu próprio canal de mídia”, disse Keith Baptista, sócio gerente da Project, a agência de talentos de criação que produz desfiles para clientes como Wang, Giorgio Armani e Ralph Lauren. “Todos registram esses momentos da experiência ao vivo para contar suas próprias histórias.” (Lembremos que Eva, por exemplo, tem mais seguidores no Instagram no que a revista na qual ela trabalha.)
 
Criar uma experiência única – e, por extensão, compartilhável – para os desiludidos frequentadores dos desfiles é algo se que tornou parte da responsabilidade de um estilista. Os desfiles são pensados para impressionar não apenas os frequentadores, mas também todos os seus seguidores. (Isso pode ser considerado um necessário retorno do investimento, pois, de acordo com Julie Mannion, presidente de serviços de criação da firma de produção e relações públicas KCD, um desfile de grande importância pode custar entre US$ 2 milhões e US$ 8 milhões, chegando a US$ 10 milhões em alguns casos, e tendo duração inferior a 10 minutos.)
 
Dois mundos
 As maiores grifes não são as únicas a pensar grande. Wang construiu para si a reputação de quem pensa em espetáculos que favoreçam as mídias sociais. Em fevereiro, o desfile dele foi encerrado com modelos de aparência robótica girando numa plataforma enquanto jatos de calor alteravam a cor de suas vestes com sensibilidade térmica, um momento criado sob medida para o Instagram. “Tentamos pensar nas fotos que vão chegar à rede”, disse ele, “tanto aquelas feitas pelos profissionais contratados quanto aquelas que representam o olhar do público.”
 
Wang acrescentou que a imagem é “algo que sempre levamos em consideração, até no momento de concepção de uma coleção. Devo admitir que, às vezes, como estilista, pode-se cair na armadilha de criar roupas pensando em como elas ficarão nas fotos, sem dar tanta atenção ao mercado e ao caimento”.
 
A atenção dedicada agora ao digital se estende além da cenografia e das concepções de palco. Estilistas e críticos dizem que isto já passou a afetar o desenho de muitas coleções. Tiziana Cardini, diretora da rede milanesa de lojas de departamentos La Rinascente e editorialista da Vogue italiana, reparou na mudança.
 
“A moda se tornou bidimensional”, disse ela. “Tudo ficou plano. Vejo que os estilistas, principalmente os mais jovens, estão pensando nas formas e volumes de maneira totalmente diferente; o mesmo vale para as cores. Acho que prestam muito mais atenção no valor fotogênico de um modelo.” Indagada quanto ao motivo, ela respondeu, “Foi a internet, sem dúvida, que alterou a linguagem”.
 
Os jovens editores também foram condicionados a pensar na moda no formato plano da tela digital. “Minha preocupação está na questão geracional”, disse Ed Filipowski, presidente de relações com a mídia da KCD. “Muitos da nova geração não veem as roupas pela primeira vez com os próprios olhos. São treinados para ver as fotos em fotografias, num formato bidimensional, e não tridimensional.” (Teria sido essa a tendência satirizada – ou celebrada – por Rei Kawakubo, da Comme des Garçons, em sua coleção outono 2012, que consistia em vestes de feltro achatadas feito roupas de bonecos de papel? “O futuro é em duas dimensões”, explicou ela a respeito do desfile.)
Fonte: Estadão

 

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