A casa carioca de Ana Carolina no Jardim Botânico tem paredes de vidro. Mas é impossível ver a cantora de 39 anos quando chego lá, às 15h. Ana está em reunião fechada a sete chaves. Estamos a uma semana do começo da nova turnê da artista, #AC, baseada em seu mais recente disco, gravado no estúdio particular do imóvel de três andares, projeto do arquiteto Indio da Costa.
A cineasta Monique Gardenberg sai da tal reunião. "Vou comer uma coisinha, só para não desmaiar." Ela foi escalada para dirigir o show, que estreia em 31 de janeiro, no Citibank Hall, em São Paulo.
Ainda não podemos entrar no terceiro andar porque Ana está ocupada enquanto edita videoclipes.
Tampouco posso usar o banheiro do andar onde a dona da casa está, então recomendam que eu utilize o da cozinha.
Com uma hora de atraso, a autora de sucessos como "Garganta" e "Quem de Nós Dois" recebe a Serafina. Ela veste uma camisa de manga curta roxa e uma calça preta. Os cabelos parecem ter saído de uma propaganda de xampu.
Dá dois "ois", dois beijos e continua falando com a equipe sobre a edição do videoclipe "Libido", que mais tarde me mostra. Em preto e branco, tem cenas onde ela beija homens e mulheres, forma de "marcar sua postura".
Ana diz que a rotina é cansativa. Pudera: na nova fase ela compõe, dirige e edita seu material. Mas está "muito animada". Como faz as canções, se sente mais à vontade de tocar os clipes. "Fiz na verdade três horas de aula e comecei a mexer. A minha viagem é a edição mesmo."
Compulsiva, ela diz aos risos que terminou de gravar o último às 5h da manhã e que já queria pegar o material pra começar a editar na sequência. "Sorte que não me deram. Mas como eu faço, dou o meu tempo." Quando pergunto se é controladora, responde na lata: "sou, completamente".
Anda buscando inclusive referências no cinema para o trabalho de editora. O último filme que assistiu foi "Azul É a Cor Mais Quente", de Abdellatif Kechiche. Gostou muito e achou a polêmica cena de sexo entre as protagonistas bem próxima da realidade. "É uma transa oposta à que supostamente as pessoas buscam em filmes pornô entre mulheres, que é uma transa de duas mulheres para agradar aos homens. É legal de mostrar para as pessoas caretas até."
Com 15 anos de carreira e cinco milhões de discos vendidos, ela mostra seu trabalho a todo tipo de gente. Mas garante que o retorno para um som mais pop em "#AC" nada tem a ver com vendas, porque sempre acaba tendo a mesma vendagem, "em torno de 100 mil".
"Quando compram um disco pirata em lugares onde o original não chega, eu até prefiro. Pelos menos o conhecem."
O que ela acha de ser ícone de um público lésbico? "Você acha que eu tenho só um público lésbico? Eu recebo muitas pessoas no meu camarim, lésbicas, gays, casais, crianças. Dos diferentes aos iguais."
UMA IGUAL
Em 2005, ela assumiu na capa da revista "Veja" ser uma das diferentes, com a manchete "Sou bi e daí?". Não se arrepende. "Eu tenho 2,8 milhões de seguidores no Facebook. Parece que sou rica no Banco Imobiliário", gargalha.
"Mas digamos que tem uma mãe e um pai careta que não podem imaginar que a filha deles transa com meninas. Talvez alivie de alguma maneira."
A volta ao gênero tem a ver com o disco anterior, "N9ve", que ela classifica como "elogiado pela crítica, mas estranhado pelo público". "Fiquei com vontade de fazer um disco que toque na rádio. Um chicletinho pra comer, pra mastigar...".
Entre baladas e ritmos de tango, um samba chama a atenção, "A Resposta de Rita", que tem participação de Chico Buarque, de quem ela é muito fã. A música brinca com a letra de "A Rita", lançada pelo compositor em 1966. Os dois artistas intercalam suas faixas.
A ideia veio da cantora Maria Bethânia, que iria gravar a letra com Ana, mas, por problemas pessoais, não conseguiu. Coincidentemente, Ana encontrou Chico em Angra dos Reis e acabou tomando coragem para contar-lhe a história. Ele riu muito. "Aí eu não sabia se ele tinha gostado mesmo ou se só estava morrendo de rir". Mas Chico topou participar e até deu sugestões para a letra.
Outras questões ela resolve com mais facilidade. Sua vida é prática. "Apenas meu sonhos não são práticos, o resto acho que consigo controlar." Família inclusive. Ana está solteira, mas não está na pista: pensa em maternidade. Fez consulta para congelar óvulos, mas quando a médica perguntou se queria deixar o embrião pronto, saiu correndo.
Fonte: Folha.com share via facebook